Feliz Natal
A mensagem abaixo foi publicada em A Tribuna neste domingo!
Feliz Natal! Um Ano Novo de inspirações, desejos e coragem! E, como demanda o espírito deste tempo, uma década de resistência pelo bem-querer, como modo de vida e propósito humanístico!
Resistência pelo bem-querer.
É véspera do fim. A segunda década do terceiro milênio acaba agorinha. E se há um balanço a ser feito nesta reta final de ciclo é que a compaixão, a doçura e a bondade estão perdendo campo na batalha do digno existir. O espírito do tempo acinzenta-se com a fuligem de palavras e atos incendiários que teimam em carbonizar a vida em suas vibrantes tonalidades. Em vez de olhares que abraçam, o que se distribui é veneno em visadas vazias de amorosidade, revelando almas mumificadas com a cal do ódio e da vilania.
O espírito desse tempo sombreia a todos, ainda que não se possa confundir arautos e partidários da perversão com aqueles abatidos pelas brutalidades encampadas por milícias da malícia e hordas infladas por preconceitos, indiferenças e soberbas.
O espírito desse tempo é insidiosamente infectante. Quantos, em luta contra a ruindade, não acabam lançando mão das mesmas armas odientas? Alerta-se: não há vitória maior aos nossos oponentes do que conseguirem nos tornar iguais a eles – em método e objetivo. Assim, neste mundo brutal, que atualiza suas redes de malvadeza na temporalidade do instante, resta um convite de resistência humanística para a década que se inicia: resistamos pelo bem-querer! Bem-querer como método e objetivo.
Sem entrar em debates conceituais, é preciso ter claro que há evidente distinção entre o bem e o mal. Uma amiga que conviveu com o padre francês Gabriel Meire, assassinado há exatos 30 anos, na periferia da Grande Vitória, recorda a sua cabal noção de maldade: “Pecado? Pecado é não se comprometer com o outro!”.
Como destacou Freud, somos animais estruturalmente agressivos, vocacionados ao submetimento do outro para satisfação de nossas vontades – nem sempre boas vontades. De toda sorte, também somos aptos à construção de vida civilizada, ainda que como recurso impositivo à nossa sobrevivência como sujeitos e espécie.
Mas parece que estamos nos esquecendo do risco que é o desinvestimento no esforço civilizatório. E esse modo inconsequente de viver sustenta um tempo sombrio, atravessado por malquereres de todo tipo.
A resistência pelo bem-querer não invoca a submissão ao grotesco e ao vil. Antes de tudo, demarca a imperiosidade de defendermos e exercitarmos os fundamentos do humanismo, evidenciando que fora da fraternidade não se pode falar de humanidade, apenas de bestialidade. Maldade não é novidade. Mas é preciso perceber que ela está sendo elevada à potência máxima. Isso se vê no desmazelo com o próximo, na fome, na miséria, na desigualdade, na destruição da natureza, nos fundamentalismos, nas discriminações, na corrida armamentista nuclear, entre outras evidências de malignidade extrema.
Em 2000, Milton Santos escreveu: “Muito se fala de tecnologias e suas promessas. Pouco, no entanto, se fala das condições, também hoje presentes, que podem assegurar uma mutação filosófica do homem, capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta”.
Pelo que se constata, não só desperdiçamos as duas primeiras décadas do milênio como também mergulhamos na noite escura de um atraso medieval. Talvez estejamos mesmo é urdindo a antevéspera do fim. Assim, resistamos pelo bem-querer e, como canta a Mangueira em 2020, advertindo que “não há futuro sem partilha”, sigamos com inspiração, posto que “a esperança brilha mais na escuridão”. José Antonio Martinuzzo Doutor em Comunicação, pós-doutor em Mídia e Cotidiano, professor na Ufes, membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória